Taninos e a arte de domá-los
Aqueles que estão começando no mundo do vinho às vezes não compreendem bem alguns termos. Uma das primeiras coisas que costumamos ouvir é: o que são taninos? Vocês dizem que os taninos estão aveludados, redondos, sedosos, o que é isso?
O tanino é um polifenol natural encontrado em plantas, caroços, galhos, madeira, folhas e cascas de frutas, especialmente das uvas. Os polifenóis são feitos de fenóis que são ligações complexas de moléculas de oxigênio e hidrogênio. São comuns nos vinhos tintos, porque esses são fermentados com a casca das uvas, engaços (raminhos que prendem os bagos da uva) e sementes.
Os taninos servem como defesa da planta e inibem o ataque de herbívoros e insetos por conta da diminuição da palatabilidade e pela dificuldade de digestão graças à sua característica adstringente. Isto acontece por conta da sua capacidade de precipitar proteínas, ou, noutras palavras, de causar a coagulação das proteínas existentes na saliva. Essa coagulação é a responsável pela adstringência que causa secura na boca. Por esta razão, os taninos também têm propriedades antioxidantes e inibem o processo de putrefação, sendo até mesmo empregados em processos do curtimento do couro.
Interessante perceber também que a palavra para curtimento em inglês é tanning, derivada de tanino, a mesma expressão usada também para bronzeamento, o processo de escurecimento da pele humana causada pela melanina como reação protetora e de defesa às ações dos raios ultravioleta. Quando presentes nas cascas de frutas, os taninos conferem a estas uma coloração mais escura que também as protegem dos raios ultravioleta, da mesma forma como a melanina nos protege.
Uma pesquisa feita na Nova Zelândia mostrou que as uvas Pinot Noir cultivadas na região de Central Otago contém mais taninos do que as Pinot Noir da região da Borgonha. Concluíram que isso se dá pelo fato de que a Borgonha, por estar mais próxima de regiões mais industrializadas da Europa, acaba tendo mais poluição atmosférica do que a região de Central Otago, que acaba gerando uma camada de proteção contra os raios UV, que estimula menos o desenvolvimento de taninos, do que as uvas da Nova Zelândia.
Na planta de tabaco, as folhas superiores que fazem parte da copa das árvores, que recebem uma incidência de sol muito maior e mais direta são bem mais escuras, por conta dos taninos que se desenvolveram nela como defesa contra os raios ultravioleta, que posteriormente produzirão charutos mais fortes e encorpados.
Bem, mas qual é o sabor do tanino? A melhor maneira de você descobrir as características palatáveis dos taninos é pegar uma lasca de madeira natural, sem nenhum acabamento, e colocá-lo num copo com água, deixando-o de um dia para o outro. No dia seguinte, prove esta água. Vai sentir um gosto forte de “madeira”, bastante desagradável, amargo e adstringente: essa é a melhor experiência para você compreender bem o que é o tanino, quão amargo ele é e como ele amarra a boca.
Mas há também outras formas de você compreender o “sabor” do tanino: coma uma banana bem verde, mastigue um pedaço de canela em pau ou ponha na boca um saquinho molhado de chá preto. Vai ter sensações similares de amargor e adstringência, de secura, de amarrar a boca, como se a sua saliva tivesse sido absorvida.
Mas os taninos não fornecem ao vinho apenas amargor e adstringência; oferecem também propriedades antioxidantes, além de corpo e complexidade.
No começo, os taninos podem ser bem “rudes”, adstringentes e amargos, por isso é comum tentar “domá-los” fazendo-se blends de uvas, com formas adicionais de fermentação, com passagens em barricas de carvalho ou com o envelhecimento na própria garrafa. Estes processos “arredondam”, “amaciam” os taninos.
Quando o vinho passa por barrica, ao mesmo tempo que ganha mais taninos – pois a água e o álcool atuam como solventes e absorvem taninos da madeira, como vimos no caso da experiência da lasca no copo com água -, eles são também “arredondados” pela micro-oxigenação proporcionada pela barrica, que ao oxidar os taninos, atenua seu amargor e adstringência.
O carvalho dos barris também confere tanino ao vinho, mas sua natureza é distinta: são taninos hidrolisáveis, cuja concentração diminui com a tosta mais intensa. Barricas de primeiro uso fornecem mais taninos, já barricas de segundo e terceiro uso oferecem menos taninos e atuam mais em arredondar os já existentes. Mas em geral a passagem por barril de carvalho ajuda a “amansar” ou arredondar os taninos.
Durante o processo de fermentação, os taninos são transferidos ao vinho pelo contato das cascas com o líquido que estão no mosto. De modo geral, podemos dizer que quanto mais espessa a casca das uvas de certa variedade, maior a quantidade de taninos presente; além disso, quanto mais tempo as cascas das uvas ficarem em contato com o suco, maior a extração de taninos. A quantidade de taninos, por sua vez, é medida pelo grau de adstringência ou de secura que o vinho provoca na boca, e varia de cepa para cepa.
Embora os taninos sejam evidentes nas uvas tintas, podem ser encontrados em vinhos brancos com passagem por barris de madeira, que terá sido então a fonte destes taninos.
Os vinhos menos tânicos são de Pinot Noir e das uvas do corte de Valpolicella (Corvina, Molinara, etc.), entre outras; em seguida, encontramos a Carménère, a Grenache e a Malbec; depois, na escala crescente de carga tânica, a Cabernet Sauvignon, a Merlot, a Montepulciano, a Pinotage, a Sangiovese, a Syrah e a Zinfandel; finalmente, com a maior quantidade de taninos, temos a Aglianico, o corte bordalês, a Nebbiolo, a Tannat e a Touriga Nacional.
Para que os taninos fiquem “macios” e não confiram amargor aos vinhos, a uva deve ser colhida no ponto ideal de amadurecimento. Aliás, é bom lembrar que há taninos ruins, que conferem notas vegetais desagradáveis ao vinho: são os taninos extraídos dos engaços e das sementes das uvas, especialmente quando as variedades são mais tânicas. (Na Borgonha, alguns produtores aproveitam o cacho inteiro, pois a Pinot Noir não é muito tânica e a prensagem do cacho adiciona taninos e uma dimensão aromática extra ao vinho, desde que o mosto de cacho inteiro não ultrapasse certo percentual do mosto total.)
Os taninos oferecem também uma sensação tátil, com o vinho tinto na boca, esfregue a língua contra o palato e veja se a sensação de granulação é fina, mediana ou grosseira. Além disso, perceba se o vinho deixa um amargor no final de boca: isto é o indicador de taninos de má qualidade. Em geral considera-se que os bons vinhos terão taninos medianos a finos e de boa qualidade.
No vinho, o tanino é um dos componentes do equilíbrio, juntamente com o teor alcoólico e a acidez. Se um desses elementos se destacar isoladamente, diremos que o vinho está desequilibrado. Contudo, quando avaliar um vinho e perceber que ele está muito tânico, lembre-se que o tanino dos vinhos mais jovens serão em geral mais acentuados.
E qual o papel dos taninos na enogastronomia, na harmonização com comidas?
Como já explicado anteriormente, o aspecto adstringente do tanino ocorre por que ele é um coagulante, ou seja, ele aglutina moléculas. Podemos dizer então que as moléculas de tanino estão ávidas para se conectar com proteínas e gorduras, por isso ele harmoniza tão bem com carnes vermelhas, principalmente as mal passadas que oferecem maior suculência.
A suculência da carne, um misto de proteínas, sucos e gordura, irá reagir com os taninos, reduzindo e em alguns casos até mesmo eliminando a sensação de adstringência e secura que ele causa pois a carne se encarregou de aglutinar (criar todas as ligações moleculares) com os taninos do vinho, restaurando a eficiência gustativa da boca. Noutras palavras, a proteína, sucos e gorduras da carne lavam os taninos.
Desta forma, opte por vinhos com poucos taninos ou com taninos mais suaves, como um Pinot Noir, quando desejar harmonizar com um filé mignon, que tem pouca gordura. Já com um bife ancho ou com uma picanha, que são carnes mais gordurosas e mais suculentas, o mais indicado será um Malbec ou até mesmo um Tannat.
Vinhos tintos com muitos taninos não são indicados para harmonizar com ovos, pois apesar do ovo ter bastante proteína, ele possui componentes sulfurosos que entram em conflito com os aromas do vinho, alterando muito seu paladar complicando a experiência.
Outro fator a se ter muito cuidado é o sal. O sal decompõe o vinho e pode destruir totalmente o sabor de um vinho, dando por vezes ao vinho um sabor achatado, perdendo os sabores do vinho e tornando-o insípido. Outras vezes o sal tende também a acentuar ainda mais os taninos e álcool. Portanto, mesmo quando estiver harmonizado com carnes, tenha cuidado com o excesso de sal, que poderá alterar totalmente a experiência. Algo que já não se aplica a vinhos tintos doces, como o vinho do Porto por exemplo, que em geral combinam muito bem com comidas mais salgadas.
Por fim, outro item para se ter muito cuidado são os frutos do mar. Pelo fato destes, em geral, conterem iodo que reagem com o ferro presente no tanino e causam uma sensação metálica na boca, muito desagradável. Por isso em geral convém evitar tomar vinhos tintos quando se come frutos do mar.